Um Filme que Ecoa Nossas Feridas
- Rugério Vaz
- 26 de nov. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 28 de nov. de 2024

É preciso dar um jeito. Dar um jeito de costurar o ontem ao hoje, com linhas que não se rompam na primeira tensão. É preciso compreender o passado como quem apalpa uma cicatriz: não para abri-la outra vez, mas para sentir sua textura, entender o que ficou.
Ontem, assisti ao filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, e senti como se cada cena me puxasse pelas mãos para dentro daquela década de 70, tão dura e tão próxima. Era um Brasil sufocado pela ditadura, um país de silêncios forçados e gritos abafados. Ali, no Rio de Janeiro, vivia a família Paiva, com portas abertas para o mundo e para a brisa da praia. Mas, num dia que nunca foi apenas mais um, Rubens Paiva foi levado. Levado pelos homens de farda à paisana. E com ele foi-se a paz de uma casa que não sabia ser fortaleza.
O filme não é só um relato; é um espelho que obriga a gente a encarar o rosto cansado da história. É uma obra que desnuda as feridas sem prometer curativos, porque algumas dores precisam ser sentidas, compartilhadas. Eunice, a mulher que ficou, é interpretada por Fernanda Torres com uma força que não grita. Sua resistência é no silêncio, no olhar que carrega séculos de luta e no gesto pequeno que parece conter o peso de um mundo.
A direção de Salles faz de cada espaço vazio uma presença, de cada sombra uma memória. A fotografia, tingida de tons frios, sussurra a ausência. E a trilha sonora, quase um suspiro, embala a melancolia de quem ainda espera. De quem ainda está aqui, mesmo quando tudo parece ter ido.
E então há Fernanda Montenegro. Ah, Fernanda. Ela entra e cala tudo ao redor. Não há palavras, só um rosto que diz o indizível. Sua aparição breve é como uma página queimada que ainda exala o cheiro do fogo. Não segurei as lágrimas; elas vieram como quem sabe que não é fraqueza sentir.
O filme termina sem respostas, mas com uma provocação: até quando vamos manter o silêncio como quem guarda algo precioso, quando o que escondemos são as chaves das nossas próprias correntes?
Ainda Estou Aqui é mais do que um filme. É um recado. Um lembrete de que a história, quando ignorada, nos engole. E, talvez, de que a coragem não está só em enfrentar, mas em não esquecer. Porque esquecer é, meu amigo, outra forma de desaparecer.
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